Projeto para a construção de uma memória
A exposição [projeto para a construção de uma memória] faz parte da seleção do Edital 2023 da Galeria da FAV-UFG, cujas obras apresentadas são um recorte da produção realizada dentro de uma pesquisa artística/acadêmica, no Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultural Visual da Faculdade de Artes Visuais (PPGACV-FAV-UFG), na linha de pesquisa em Poéticas Artísticas e Processos de Criação.
Evocando quatro poético-estruturas – a casa, a escola, a igreja, e a rua – e partindo das memórias enquanto criança, o modus operandi como artista-pesquisador, as obras presentes na exposição percorrem um universo real através da imaginação, recriando os espaços vividos, desenhando trajetos, arquitetando fábulas e projetando outras infâncias. São oito obras apresentadas, em diversas técnicas e linguagens – arte digital, desenho, bordado, pintura, videoarte e instalação, cuja proposta abrange artes visuais, arquitetura, literatura e expressões gráficas, compondo materialidades e imaterialidades, e construindo-se em experimentações (auto)biográficas.
Partindo da ideia de que o espaço, físico ou virtual, pode ser entendido como uma dimensão permeável e passível de criações, construções e realizações de ideias, a proposta da exposição é a de traçar caminhos para a imaginação de cada visitante, através dos caminhos que o artista traçou para si, como meio de (re)invenção das memórias pela imaginação poética.
Pensar a infância como um devaneio artístico remonta a ideia de construir prédios em bloquinhos de montar, subir no muro e pular para brincar de pique-esconde na rua, ou correr para cima de um pé de goiaba para fugir de uma sovada. Os espaços vividos quando criança, como o quintal, o parquinho, a pracinha, ou mesmo se equilibrar no meio-fio, arquiteturas e espaços comuns das brincadeiras, permitem explorar geometrias imaginárias em fabulações de diversas abordagens e linguagens artísticas.
Por meio da pesquisa em arte e dos processos de criação que elucidam o modo, o uso, e o jeito do artista conviver com o menino que fora, aliado ao saber-fazer arquitetura, a exposição evoca o olhar e o pensamento de quem a vê, para projetar e moldar cada memória da meninice esquecida e/ou abandonada. O menino que fui para ser olhado,experienciado e apreendido por cada criança que ainda sobrevive em nós.
Kassius Brunno
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Em algum lugar entre o artista e o arquiteto, mora a criança cujo pai era mestre de obras, o menino que foi Kassius. De que afetos, linhas, planos e volumes é constituída essa morada? Como materializar o que está contido não só na memória, mas no sentimento, que sabe das coisas de cor?
Suspenso em um andaime, olhando de uma pequena janela no alto, o menino de ouro algo vislumbra. O que vê? Um espaço aqui, no passado, no futuro, ou que existe somente em sua imaginação de garoto?
Conversando com a criança que foi, o artista cria imagens que trazem de volta os lares onde viveu, os trajetos que percorreu, as cores que sentiu, convidando quem entra em contato com suas obras a perceber que uma lembrança também pode ser arquitetada. Em seus desenhos, costuras, fabulações projetivas e mapas, parece nos dizer que lembrar e inventar são palavras vizinhas. Assim como casa, escola e igreja, são pontos marcantes de suas rotas de infância, rememorar e criar são itinerários constantes do caminho por onde transita sua produção.
Tetos, paredes, vigas, chãos, portas, janelas: tudo o que nos acolhe, nos abriga, um ambiente fechado com alguma circulação de ar e entrada de luz. Se essas estruturas são suspensas, ao que estamos expostos?
Azul, vermelho e amarelo são recorrentes no conjunto de trabalhos. Se das cores primárias chegam todas as outras, o que decorre a partir das nossas infâncias – nosso momento mais próximo da origem?
Tal qual a criança cósmica bachelardiana, o artista-pesquisador propõe uma aventura para a dimensão imaginativa e criativa de um tempo que não nos é mais acessível senão a partir de devaneios poéticos. Sua investigação, para além da representação visual da infância, nos situa em um espaço de manifestação de uma narrativa de vida que pode vir a ser coletiva, em um exercício de projetar outras infâncias a partir das evocações das crianças que fomos e que, porventura, ainda somos.
O que fizemos com o que resta do nosso tempo de meninice? As casas, quintais, escolas, trajetos e brincadeiras são imagens fundantes que abrigam as experiências primordiais que alicerçam nosso reino simbólico e poético, influenciando nossa percepção da vida, a relação que desenvolvemos com o ambiente que nos circunda e a nossa experiência poética no mundo. A partir daqui uma convocação ao lembrar, devanear e brincar com o passado para traçar rotas fabulatórias e arquitetar horizontes futuros.
Bernardo Morais, Bruna Mazzotti, Daniela Marques